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sábado, 28 de abril de 2012

Estupefato


Detalhe de Carta do Brasil do Atlas de Sebastião Lopes,  1565 - extraído do artigo "The representation of Ceasalpinia echinata (Brazilwood) in sixteenth-seventeenth-Century Maps" de autoria de Yuri T. Rocha, Andrea Presotto e Felisberto Cavalheiro - fonte: http://www.scielo.br/pdf/aabc/v79n4/a14v79n4.pdf


Acredito que muita gente não tenha atinado para o fato de o Brasil ser o único país no mundo que tem nome de árvore. Eu mesmo, quando aprendi isso fiquei assombrado, senti um orgulho danado, mas para conhecer um pau-brasil de fato, na sua esplendorosa ‘arvoridade’ tive que esperar bastante, da mesma forma que esperei para ver, livres na natureza, uma arara azul, um lobo-guará, um tamanduá-bandeira e outras inúmeras maravilhas da nossa biodiversidade, que poucos de nós brasileiros conhecemos.
Foi encanto à primeira vista, donde pude comprovar por experiência própria, como é difícil gostar do que não conhecemos, quiçá então nos empenharmos na proteção daquilo que não gostamos. No Brasil me parece que isto acontece frequentemente nas casas legislativas, especialmente no congresso nacional, onde sob uma pretensa intenção protecionista, se legitimam coisas absurdas, ignóbeis, como é o caso do novo código florestal aprovado na última semana, que impõe a todos nós brasileiros a indignidade de anistiar quem desmatou ilegalmente até 2008. Fico pasmo com tal injustiça cometida contra todos os proprietários rurais que cumpriram a lei e as regras vigentes. É estarrecedor constatar isso, mas nos faz crer que o crime compensa, afinal desmatar ilegalmente era crime ambiental e quem o cometeu, agora vai ser premiado.
Volto ao caso do pau-brasil pelo seu simbolismo emblemático. A sua exploração desenfreada sustentou o primeiro ciclo econômico dos colonizadores portugueses nos anos 1500, até que a mata atlântica foi dizimada e a árvore que nos identifica a nacionalidade tenha virado sinônimo de tintura de tecido, móveis de elite e arcos de alguns dos mais cobiçados violinos. Durou pouco a farra e logo-logo só tínhamos Brasil no nome e nada na mata. O pau-brasil chegou a ser considerado extinto até 1928, quando alguns exemplares foram reencontrados nas matas de Pernambuco e deram início a um belo projeto de perpetuação da espécie. Lembrei dessa história porque no próximo dia 03 de maio se comemora o dia do pau-brasil, criado por lei, no mesmo congresso que agora nos assusta com uma votação que sinaliza para a contra mão da história. O mundo inteiro se prepara para participar da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, que acontecerá no Rio de Janeiro no mês de junho, enquanto a câmara dos deputados comete esta sandice. É assustador.
Espero que a presidente Dilma num lampejo de lúcida grandeza de estadista, vete os absurdos do código, assombre os ultrapassados e fortaleça nosso orgulho de ser brasileiro. Afinal, somos o único povo que tem árvore no nome.

Sobre árvores



Dia desses sonhei viver numa cidade sem árvores. No sonho não era exatamente uma metrópole cinzenta de asfalto, viadutos e concreto, porque tinha um tom esverdeado, meio esmaecido puxando pro amarelo, mas com um ‘q’ de verde herbáceo, tipo capim-braquiária no mês de maio, quando começa a estiagem e a sombra úmida do arvoredo vira sonho para os transeuntes, que a cada dia que passa, vão perdendo espaço para os automóveis.
No meu pesadelo, a paisagem (ou seria melhor chamar de ‘landscape’?) parecia californiana, mas tenho certeza que era cerradiana mesmo. E não tinha árvores, nenhuminha prá boi dormir.
Já suado, me pus a refletir, será possível viver bem em um lugar totalmente árido? Deve ser, porque afinal para que existem os oásis no meio do deserto. É, mas por lá também tem miragens das ‘brabas’, daquelas que só a insolação delirante pode fazer crer.
Mas não estava sonhando com uma cidade originalmente desértica, onde as pessoas foram desafiadoramente morar, delirei foi com uma urbe de onde foram tiradas todas as árvores, com machado, veneno, motosserra, trator e até com as mãos. Foi um processo demorado e contínuo, tipo doença crônica, que espanta os parentes próximos quando se anuncia, mas depois nos acostumamos, conforme vão se passando os carnavais.
Lembro que no início do sonho teve até protesto, alguém subiu nos galhos para desafiar o funcionário armado com sua motosserra que rugia furiosa, mas depois o desmate foi tão grande e o furor deslumbrado com o asfalto novo foi tão encantador, que quem ousava reclamar do corte de um ipê ou pau-brasil na pracinha da sorveteria mais tradicional da cidade, começou a ser achacado publicamente. Protestar contra o corte de árvores virou ato terrorista de quem não gostava da cidade. Que fosse embora o maldito.
Talvez tenha ido, porque nunca mais se ouviu reclamos e logo adiante, nunca mais se viu árvore alguma.
Ainda bem que foi sonho. Tomara que não sonhe em breve, com um lugar cujo povo ficou sem água, porque acreditou que não precisava de árvores.