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terça-feira, 26 de junho de 2012

A natureza não é obstáculo ao progresso humano


A natureza não pode ser separada da cultura e, portanto, não deve ser obstáculo ao progresso humano. Para se assimilar esta idéia aparentemente desconexa precisamos antes aprender a pensar a realidade de modo mais complexo, numa perspectiva ético-política, que inclua no enfrentamento da questão ambiental, também as questões de gênero, do racismo, do urbanismo, da pedagogia e da criação artística. É mais ou menos nessa perspectiva que surge o conceito de ecosofia, que tenta aproximar de modo dialético e militante, atitudes ecológicas com a filosofia contemporânea.
Um dos expoentes desse campo foi o filósofo francês Felix Guattari, que há quase três décadas conquistou notoriedade entre os ambientalistas com o seu livro ‘As Três Ecologias’, obra referencial (e bastante atual) que preconiza a necessidade de uma articulação ética e política entre a natureza, a sociedade e a subjetividade humana. Para Guattari, o restabelecimento de um relativo equilíbrio ambiental depende cada vez mais de uma mudança de mentalidade, que se reflita no nosso modo de ser na família, no trabalho e no contexto urbano, que determinem novos padrões de intervenção humana. É o círculo virtuoso no qual se interconectam as três ecologias (ambiental, social e mental).
Mas como viabilizar isso numa sociedade onde o cidadão é coadjuvante, com baixo grau de mobilização e quase nenhuma participação no cotidiano de sua comunidade? Qual a efetiva capacidade de interferência individual para se transformar a realidade? A superação desse dilema nos parece uma condição essencial para o envolvimento e protagonismo social do indivíduo no enfrentamento dos problemas contemporâneos.
A degradação da vida nas cidades, na exata proporção de seu crescimento é algo que angustia, pois é justamente nas cidades que a vida pulsa com mais ímpeto, intensidade e criatividade.
Ao aceitarmos como “natural” que a cidade cresça enquanto a qualidade de vida se vá, estamos validando um erro histórico recorrente, simplesmente porque temos testemunhado séculos de repetição e aperfeiçoamento tecnológico de práticas insustentáveis e modelos de ocupação equivocados e excludentes.
Ao longo do tempo, pouco ou quase nada mudou na relação social com a natureza, a não ser a intensidade destrutiva da presença humana. 

Fazem-nos crer que é um mal necessário. Não é. 

E não me refiro a uma abordagem meramente naturalista e fantasiosa que idealiza uma natureza intocada, oásis na selva urbana. Estou dizendo que é possível intervir de modo diferente, desde que as nossas percepções e representações culturais em relação ao meio ambiente e à paisagem urbana incorporem como requisitos basilares, valorizar a diversidade, tolerar as diferenças e controlar a ganância. 

Caso contrário, penso corrermos um sério risco de nos acomodarmos numa certa paralisia da esperança, que geralmente acontece quando apesar de percebermos a óbvia necessidade de mudança e acreditarmos na nossa capacidade de mudar, ainda assim, não acreditamos que a mudança seja possível. E é.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Mais do mesmo não é uma opção


O ano era 1972, o Brasil vivia o esplendor do milagre econômico e o terror dos ‘anos de chumbo’ da ditadura militar, dois fatos históricos simultâneos que “co-existiam negando-se”, como retrata o jornalista e escritor Elio Gaspari no livro “A Ditadura Escancarada”. Para ele e muitos de nós, mesmo depois de décadas essa negação persiste, pois “quem acha que houve um, não acredita (ou não gosta de admitir) que houve o outro”.
O ano era 1972, quando foi inaugurada a rodovia transamazônica, foi realizada a primeira transmissão a cores da televisão brasileira, Lula fora eleito como primeiro-secretário do sindicato dos metalúrgicos do ABC, Dilma Rousseff era prisioneira política, Rondon Pacheco era governador de Minas e nome de avenida em Uberlândia. Enquanto isso no hemisfério norte findava a primavera e no dia 5 de junho tinha início a primeira conferência mundial sobre o homem e o meio ambiente, na cidade de Estocolmo, Suécia. A partir daí, a data começou a ser comemorada como dia mundial do meio ambiente.
Em Nova Iorque, John Lennon pedia uma chance à paz e Nixon, o presidente dos EUA queria expulsá-lo do país por isso. Não teve tempo porque estourou o escândalo do ‘watergate’ e ele é quem acabou catapultado do poder.
Por aqui, a amazônia despertava mais interesse por razões de segurança do que por importância ecológica. Caçar era permitido, principalmente ‘terroristas’ que se escondiam no mato. Até um major com alcunha de passarinho (Curió) foi designado como algoz para abater militantes de esquerda no Araguaia.
Lá na Suécia, governantes e cientistas alertavam que era preciso rever o modelo de crescimento econômico, conter a degradação ambiental, pois a sobrevivência da humanidade estava em jogo.
A delegação brasileira se opôs, discordou, foi hostil, afinal tínhamos que crescer o bolo para depois (talvez) dividi-lo. Para se ter uma ideia, naquele tempo no Brasil havia apenas 1 veículo para cada 30 habitantes, hoje aqui em Uberlândia temos praticamente 1 para cada 2 pessoas. Crescemos, o sindicalista foi presidente, a ex-prisioneira o é, e a avenida está aí, sendo ampliada para atender as insaciáveis necessidades dos automóveis.
Quarenta anos se passaram, Uberlândia passou de 130 mil habitantes para 700 mil, a preocupação ambiental que era considerada coisa de gente desocupada, de intelectuais “melancia” (verde por fora e vermelho-moscou por dentro), agora aparece com destaque (cosmético) na agenda política até dos governos mais conservadores e retrógrados. É neste cenário que agora neste mês de junho acontecerá no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20).
Um dos motes que balizarão as discussões na Rio+20, que contará com a presença de governantes de mais de 120 países é “mais do mesmo não é uma opção”. A ideia está no prefácio do Relatório Econômico e Social Mundial 2011, assinado pelo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, e afirma que:

“embora a humanidade tenha feito progressos significativos na melhoria de seu bem-estar material ao longo dos últimos dois séculos, esse progresso tem sido conseguido à custa da degradação permanente de nosso ambiente natural. Cerca de metade das florestas que cobriam a Terra desapareceu, as fontes de águas subterrâneas estão sendo depredadas e poluídas, está em curso uma enorme erosão da biodiversidade e, graças ao aumento do uso de combustíveis fósseis, a estabilidade climática do planeta está ameaçada pelo aquecimento global. É preciso um progresso econômico muito maior para que as populações dos países em desenvolvimento atinjam um padrão de vida decente, especialmente os bilhões que ainda vivem em condições de extrema pobreza, bem como os dois bilhões de pessoas que vão se somar à população mundial até meados deste século.
 Continuar pelos caminhos do crescimento econômico que temos percorrido até agora somente aumentará as pressões sobre os recursos naturais e o meio ambiente, levando os modos de vida atuais a limites que não serão sustentáveis. Por tudo isso, continuar agindo como de costume, com os negócios como sempre, não é mais uma opção.”

No âmbito local é o momento de estarmos atentos e exigirmos dos candidatos a prefeito que assumam publicamente o compromisso com o desenvolvimento sustentável da cidade. E mais, que assumam o compromisso de não vilipendiar a democracia e subjugar as pessoas a caprichos desenvolvimentistas ultrapassados. É por isso que mais do mesmo não é uma opção.