Dia desses sonhei viver numa cidade sem árvores. No
sonho não era exatamente uma metrópole cinzenta de asfalto, viadutos e
concreto, porque tinha um tom esverdeado, meio esmaecido puxando pro amarelo, mas
com um ‘q’ de verde herbáceo, tipo capim-braquiária no mês de maio, quando
começa a estiagem e a sombra úmida do arvoredo vira sonho para os transeuntes,
que a cada dia que passa, vão perdendo espaço para os automóveis.
No meu pesadelo, a paisagem (ou seria melhor chamar
de ‘landscape’?) parecia californiana, mas tenho certeza que era cerradiana
mesmo. E não tinha árvores, nenhuminha prá boi dormir.
Já suado, me pus a refletir, será possível viver bem
em um lugar totalmente árido? Deve ser, porque afinal para que existem os oásis
no meio do deserto. É, mas por lá também tem miragens das ‘brabas’, daquelas que
só a insolação delirante pode fazer crer.
Mas não estava sonhando com uma cidade originalmente
desértica, onde as pessoas foram desafiadoramente morar, delirei foi com uma
urbe de onde foram tiradas todas as árvores, com machado, veneno, motosserra,
trator e até com as mãos. Foi um processo demorado e contínuo, tipo doença
crônica, que espanta os parentes próximos quando se anuncia, mas depois nos
acostumamos, conforme vão se passando os carnavais.
Lembro que no início do sonho teve até protesto,
alguém subiu nos galhos para desafiar o funcionário armado com sua motosserra
que rugia furiosa, mas depois o desmate foi tão grande e o furor deslumbrado
com o asfalto novo foi tão encantador, que quem ousava reclamar do corte de um
ipê ou pau-brasil na pracinha da sorveteria mais tradicional da cidade, começou
a ser achacado publicamente. Protestar contra o corte de árvores virou ato
terrorista de quem não gostava da cidade. Que fosse embora o maldito.
Talvez tenha ido, porque nunca mais se ouviu reclamos
e logo adiante, nunca mais se viu árvore alguma.
Ainda
bem que foi sonho. Tomara que não sonhe em breve, com um lugar cujo povo ficou
sem água, porque acreditou que não precisava de árvores.
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